Aventuras de uma migração da Comunicação para a Tecnologia
Eu me formei em Jornalismo em 2011. Naquela época, ainda tinha o objetivo de me tornar um repórter que ajudasse a mudar um pouco o mundo investigando e expondo verdades incômodas. Era uma motivação excelente, e fico feliz que haja muita gente no mundo com ambições semelhantes. O problema para mim não era a natureza da motivação, mas a intensidade. Eu queria, mas não tanto.
Então, comecei uma jornada profissional de tentativa e erro em múltiplas áreas da comunicação: jornal impresso, Assessoria de Imprensa, redação de TV, Comunicação Corporativa, mercado editorial de livros… E finalmente percebi alguns fatos desencorajadores:
- A área de Comunicação tradicional estava cruzando um vale profundo no qual havia falta de confiança e de dinheiro – e como eu não conseguia ver em que altura da estrada esse vale começaria a subir, eu não queria impor a mesma lacuna cegamente à minha carreira. O Jornalismo acabaria ganhando força novamente, ainda que em formatos totalmente diferentes. Mas sabe-se lá quando. Eu não queria esperar pra ver.
- Trabalhar em uma área como essa faz esquecer que existem outras coisas. Enquanto eu lutava para manter um pouco de entusiasmo com meu trabalho, mesmo ao editar um livro sobre Pokémon Go na editora onde entrei para fazer livros de arte (porque a empresa precisava pagar as contas), comecei a entender que havia toda uma indústria sendo impulsionada pelos avanços da Tecnologia Digital, onde as pessoas que conheci na escola agora trabalhavam com um sorriso no rosto (na maioria das vezes, pelo menos), dando o seu melhor não para estancar um sangramento de energia diário, mas para manter o ritmo em mercado próspero e dinâmico.
Minha compreensão sobre o quanto eu queria aquele sentimento cresceu na mesma proporção que meu desespero por não estar indo a lugar nenhum dentro do meu campo original. Antes, sempre me vi como um jornalista clássico, preso na toca do coelho por onde entrei depois de abandonar o curso de Engenharia da Computação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no meio de uma aula de Python, decidido a mudar para o curso de Jornalismo na mesma universidade – para desespero da minha mãe.
Tive minha chance e agora estava tentando lembrar o que era Python, JavaScript, SEO, Google Search Console… enquanto pensava que no final das contas talvez eu gostasse de tudo isso. E talvez houvesse um lugar para mim nesse mercado próspero.
Mas, gostando desse universo ou não, eu ainda era um profissional formado em Comunicação. E para a indústria de Tecnologia, eu rapidamente entendi que minha experiência e habilidades me enquadravam como alguém de conteúdo. Alguém que podia criar, organizar e entregar conteúdo.
Assim, à medida que o desespero de não seguir em frente crescia, tornou-se cada vez mais imperativo encontrar um caminho através dos portões desse novo universo, vendendo-me como esse tal especialista em conteúdo técnico. Era hora de intensificar minha pesquisa e começar a enviar currículo. Pesquisei cada empresa de Tecnologia que pude encontrar no Brasil (num momento em que o número ainda era bem menor que o atual) e ajustei meu currículo de acordo com o que eu acreditava que cada empresa pudesse querer de mim.
Mas a verdade era: eu não conseguia enxergar um cenário em que alguma dessas empresas aceitasse meu currículo. Eu me visualizei em uma das entrevistas que poderia resultar desse esforço e me senti uma fraude. O que eu realmente sei sobre essa área, além de meia dúzia de buzzwords que vi em artigos ou vídeos de Youtube?
Eu poderia mentir para você e dizer que hoje, olhando para trás, percebo que esse medo não fazia sentido. Mas fazia. Porque embora eu tenha certeza de que tive a motivação e a capacidade necessárias para entrar em uma empresa de Tecnologia e aprender a parte técnica lá dentro, teria sido muito difícil deixar essa capacidade clara e me destacar em uma pilha de currículos sem nunca ter trabalhado no mercado de Tecnologia ou no mínimo sem uma indicação de alguém desse mercado.
Certamente eu tinha habilidades muito mais importantes. E antes que você diga as palavras “soft skill”, já vou te interromper. Não, não eram apenas soft skills. Algo que precisamos entender é que as habilidades específicas que alguém da área de Humanas traz de sua formação educacional e experiência profissional não são “soft skills” apenas porque são de Humanas. Hard e Soft não são sinônimos de Ciências Exatas e Ciências Humanas, respectivamente.
Então, como estava dizendo, eu tinha habilidades muito mais importantes do que a enxurrada de coisas técnicas que viria com o trabalho diário. Mas o que eu não tinha era algo concreto para mostrar. E se você não tem experiência na área e também não tem alguém dentro da empresa que o conheça e o indique para o trabalho, você precisa de algo concreto para mostrar. Uma pessoa da área de Comunicação provavelmente pensaria em um portfólio. E essa é uma ótima ideia. Mas então faça um portfólio online. Em seguida, anexe um blog a ele. Depois, comece a usar o Google Analytics para esse blog e aprenda como obter insights a partir daí. Então, escreva sobre esses insights, crie uma conta do Facebook Business e comece a brincar com os anúncios para promover sua melhor postagem no blog, talvez vá até o código do seu site e brinque com o HTML e o CSS.
Estou apenas lançando ideias aqui. Meu ponto é: se você quer estar no mercado de Tecnologia, dê um passo à frente do que é esperado de você e esteja na indústria de Tecnologia antes mesmo de ser entrevistado. Enquanto tenta construir algo, você estará criando aquela coisa concreta para mostrar ao mesmo tempo que aprende muito com seus erros e realizações e incorpora o vocabulário para conversar com as pessoas que vão te entrevistar. Essa é a beleza da Web: o conhecimento está todo lá – geralmente não muito bem organizado, mas está lá. Agarre o máximo que puder e construa algo com ele.
É uma ideia simples, mas posso garantir que a grande maioria das pessoas não investe tempo e esforço nisso. Nem mesmo uma ou duas horas por semana. Então, quando alguém me pergunta quão difícil é migrar da Comunicação tradicional para a Tecnologia, fico bastante confortável em dizer que não é nada difícil – se você for bom no que faz e investir um mínimo de esforço e tempo para aprender sobre o universo onde deseja entrar. Só é preciso humildade para entender o quanto há para aprender e, então, aprender um pouco.