O que é Technical Writing e por que está bombando
Eu comecei a trabalhar na VTEX em 2017. Entrei como "a pessoa que sabia escrever", com a missão muito mal definida de ajudar a melhorar a documentação da empresa. Durante mais de dois anos, eu trabalhei como Technical Writer, mas sequer ouvi ou li o termo "Technical Writer" mencionado em qualquer lugar. A empresa não sabia que era isso o que eu fazia. E nem eu.
"Technical Writing é uma área nova", ouço muito dizerem. Mas isso não é verdade. Tech Writers existem há muitas décadas. E isso se a gente ficar no mercado de Tecnologia. Se expandirmos o escopo com alguma margem para criatividade, dá para considerar até Leonardo Da Vinci um tech writer, uma vez que ele documentava detalhadamente suas criações.
Mas embora não seja uma área nova, no mercado de Tecnologia brasileiro, apenas nos últimos três anos começamos a ver menções à função do Tech Writer com um entendimento mais maduro do que significa. E no último ano, em especial, esse movimento se intensificou – e, com isso, dezenas de vagas começaram a aparecer toda semana.
Entendo que isso está acontecendo principalmente porque entramos em uma espécie de ciclo virtuoso que funciona mais ou menos assim:
- Uma ou algumas pessoas começam a trabalhar com documentação de software em uma empresa.
- O trabalho dessas pessoas traz impacto significativo para o negócio da empresa.
- Essas pessoas e essa empresa tornam esse impacto público para o mercado.
- Outras empresas percebem como o trabalho do Tech Writer é estratégico e procuram saber mais sobre a função.
- Profissionais de conteúdo percebem o interesse do mercado e, por sua vez, procuram também saber mais sobre a função.
- Dada essa demanda latente, profissionais de conteúdo começam a se capacitar.
- As empresas mais maduras começam a contratar technical writers.
- Os technical writers contratados ganham experiência e aumentam o fluxo de informação sobre a profissão e seu impacto.
- Mais empresas percebem esse impacto, ganham interesse e criam vagas.
- Mais vagas geram mais profissionais interessados, mais busca por capacitação…
E por aí vai.
Eu diria que estamos ainda numa primeira onda de interesse mais maduro por parte das empresas. Várias delas já começaram a contratar. E algumas já estão formando times robustos de cinco, dez, quinze pessoas, com diferentes papéis e níveis de senioridade.
Faltam ainda aspectos importantes para a consolidação da profissão, como um entendimento mais uniforme do escopo de trabalho e do salário, assim como fontes de capacitação para profissionais de conteúdo que desejam entrar na área. Foi por isso, aliás, que criamos aqui na Fenestra o curso Technical Writing I.
Mas para quem, como eu disse no início deste texto, entrou no mercado em cinco anos atrás e passou anos sem nem saber qual era o nome daquilo que estava fazendo, a evolução tem parecido bastante ágil. Durante 2020 e o início de 2021, em especial, não passou uma semana sem que uma empresa me pedisse mais informações sobre a área de Technical Writing ou um profissional interessado me pedisse recomendações de leitura, artigos, comunidades e cursos.
Mas por que Technical Writer importa tanto?
De maneira direta e resumida, o Tech Writer é responsável pela documentação do produto. Para entender melhor a importância disso, vamos avaliar alguns tipos de impacto que a falta de documentação frequentemente causa.
Onboarding
Imagine que você trabalha em uma empresa de software, e essa empresa está criando um novo produto com um sistema complexo por trás. Digamos também que não haja um Tech Writer no time.
Alguns meses depois de o produto ter sido lançado, duas engenheiras saem do time, e a empresa precisa contratar outras duas para substituí-las. Elas vão ter que trabalhar em um produto de cuja construção não participaram. Elas não sabem como esse produto foi construído, quais partes o compõem, como essas partes se comportam, como interagem entre si e com sistemas internos.
A primeira coisa que elas vão buscar quando entrarem no time é documentação. E, se não encontrarem, vão precisar atravessar um onboarding bem mais doloroso, o que vai causar perda de tempo para ela e para as outras pessoas do time que terão de explicar cada detalhe a elas.
Manutenção
Nem todo mundo dentro da empresa ou mesmo do time tem 100% de contexto sobre o produto. Algumas pessoas trabalharam mais em uma parte do produto, enquanto outras trabalharam em outra. E quanto mais complexo o produto, mais o contexto é dividido.
A documentação é a cola que garante o compartilhamento de um contexto mínimo entre todos os profissionais da empresa que precisarem desse contexto. E esse aspecto tem impacto significativo na manutenção do produto.
Digamos, por exemplo, que os engeheiros precisem responde a parte dos tickets que chegam do suporte – aqueles mais técnicos e que precisam de alguém olhando o código. E digamos que hoje seja dia de o João cuidar dos tickets. Por mais básicas que sejam as dúvidas ou problemas com que o João vai lidar, se ele não tem contexto prévio sobre as partes do sistema a que eles dizem respeito, ele vai precisar perguntar para alguém ou gastar tempo (e dinheiro da empresa) investigando o código. Muito melhor seria ele ter disponível uma base de conhecimento onde as perguntas recorrentes já estão respondidas.
Extensibilidade
Último cenário: um parceiro foi chamado pela empresa para extender o produto. Ele vai criar um complemento que permite que o produto seja usado em uma plataforma diferente.
O contexto desse parceiro é ainda mais limitado que o dos engenheiros da empresa. Ele sequer tinha ouvido falar do seu produto até hoje. Como, então, você espera que ele desenvolva um sistema conectado ao seu? Como ele vai saber com quais serviços deve interagir, quais são os protocolos de comunicação entre os sistemas, os formatos de dados esperados, os possíveis erros.
A documentação, também neste caso, teria criado as bases para que a agilidade e o impacto do trabalho fossem multiplicados.
Documentação na Definição de Pronto
Os cenários que vimos são apenas alguns dos exemplos que mostram como o trabalho de um Technical Writer é estratégico.
E a conclusão que vem em seguida (ou que deveria vir) é que documentação não pode mais ser considerada um atributo acessório do produto. Documentação faz parte do produto; precisa ser um dos critérios de aceite para considerá-lo pronto para ser entregue ao usuário.
Esse entendimento depende de uma mudança cultural dentro das empresas. E por isso, também, é tão legal ver a área de Technical Writing ganhando maturidade no Brasil: porque o impacto não vai ser apenas na carreira dos Tech Writers, mas também na qualidade dos produtos que o mercado de Tecnologia desenvolve.